Numa
sexta-feira, provavelmente no dia 7 de abril do ano 30, os romanos
crucificaram, a pedido das autoridades religiosas judaicas, o pregador
Jesus de Nazaré, em hebraico, Ieshu ben Ioseph.
Jesus
pregava a chegada do Reino de Deus, anunciado nas Escrituras de Israel;
afirmava ter vindo de Deus, ser o Filho de Deus. Escolhera Doze
discípulos, indicando claramente que, a partir Dele, Israel, o povo das
Doze tribos, deveria ser renovado e transformado. Afirmava que aqueles
que Nele acreditassem e O aceitassem como Messias e Salvador, que O
amassem mais que à própria vida e se abrissem à Sua mensagem sem nenhuma
reserva, encontrariam a Luz verdadeira, a Vida verdadeira e venceriam,
com Ele e como Ele, a própria morte: as mortes da vida e a Morte última.
Sexta-feira,
7 de abril, Jerusalém, ano 30. Jesus está na cruz, humanamente
aniquilado, um farrapo, um trapo de gente. Perdoa seus inimigos,
entrega-Se nas mãos do Pai com total confiança e morre. É sepultado. No
terceiro dia, seus discípulos dizem que Ele veio, vivo, ressuscitado,
totalmente transfigurado, glorioso, divinizado na Sua natureza humana,
ao encontro dos Seus.
Tudo mudou
para aqueles Doze, tudo mudou para os discípulos, tudo mudou para Paulo
de Tarso, judeu culto, letrado, prudente, que diz ter sido encontrado
por Jesus vivo, ressuscitado, vitorioso, no caminho de Damasco… Deste
testemunho dos Apóstolos a Igreja vive há dois mil anos; por esse
testemunho muitos deram a vida, muitos consagraram toda a existência. Os
cristãos creem com todas as forças e com razoáveis motivos: Jesus
venceu a morte, ressuscitou, está no Pai e, na potência do Seu Espírito
Santo, estará presente à Sua Igreja até o fim dos tempos.
Mas, hoje é
Sexta-Feira. Sexta-Feira de silêncio, de jejum, de oração, de
abstinência de carne. Sexta-Feira escandalosa: como pode um Deus morto?
Como pode a Vida ser morta pela Morte? Como pode a Luz dissipar-Se ante
as trevas? Como pode o Pai Se calar e permitir que o Justo fosse
assassinado e derrotado? Onde está Deus? Se existe, por que não salvou o
Seu Filho amado?
De fato, a
cruz, por si mesma, é um escândalo terrível! Por isso os antigos pagãos,
zombando dos cristãos, representavam um asno crucificado. A fé cristã
não passaria de “asneiras”. Há dois mil anos pensam ou dizem isso… Os
muçulmanos zombam de nós, chamando-nos “adoradores da cruz”, e o mundo
atual odeia com todas as forças tudo que signifique cruz, tudo que
estrague a curtição do homem embevecido com sua razão, com sua
tecnologia, com seu conforto, com suas soluções “morais” práticas e
fáceis, tanto quanto levianas e vulgares, com sua ilusão de ser senhor
do bem e do mal, do certo e do errado, da vida e da morte…
Para os cristãos, no entanto, a cruz nos descortina, fundamentalmente, dois mistérios tremendos.
Primeiro, o
Mistério da Iniquidade, Mistério do Pecado do mundo, fruto da liberdade
humana, que pode de tal modo fechar-se para Deus, levando o homem – cada
indivíduo e a humanidade toda -, a tal soberba, a tal autossuficiência,
a ponto de matar Deus: “Não queremos que Esse aí reine sobre nós! Não
temos outro rei a não ser César!” (Jo 19,15). Isso mesmo: a cruz revela
até onde o homem pode ir: ele pode matar Deus! E o está matando,
continua a matá-lo, erradicando-o da cultura, da sociedade, das
repartições públicas, dos meios de comunicação, das escolas, das
famílias, dos corações. Basta que escutemos o brado prepotente e
realista do ateu Nietzsche “Deus morreu! Deus está morto! E nós é que o
matamos! Tudo o que havia de mais sagrado e mais poderoso no mundo
esvai-se em sangue sob o peso do nosso punhal. Não vos parece grande
demais essa ação? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses? Nunca
houve uma ação tão grande como essa!” Eis: o mundo está se “libertando”
de Deus! Deus vai Se tornando uma palavra vazia, insossa, inútil, sem
nenhum sentido definido e nenhuma exigência que incida na vida das
pessoas. O deus que o mundo aceita – quando aceita – é um deus boboca,
inofensivo, invertebrado… O Deus verdadeiro, esse o mundo odeia e o
mata! O Deus verdadeiro, para o mundo, não passa de um asno. Que nenhum
cristão se iluda: o mundo não compreenderá nunca o mistério da cruz!
Aqui, não existe acordo, não tem boa vontade capaz de superar o abismo, a
não ser a conversão: Cristo é escândalo, a cruz é escândalo, os
discípulos são escândalo: “Pai, Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo
os odiou, porque não são do mundo, como Eu não sou do mundo” (Jo 17,14).
O discípulo estará sempre, como o seu Senhor, crucificado para o mundo e
o mundo, crucificado para ele: “Quanto a mim, não aconteça gloriar-me
senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está
crucificado para mim eu para o mundo” (Gl 6,14).
Mas, a cruz
revela também um outro mistério: o Mistério da Piedade! Mistério de um
Deus tão grande no Seu amor, tão humilde no profundo respeito pela
liberdade humana, que é capaz de Se entregar à morte para salvar essa
humanidade tola e prepotente: “Deus amou tanto o mundo que entregou o
Seu Filho único, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha
a vida eterna. Pois Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para julgar o
mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,16-17). Na cruz
revela-se até onde Deus está disposto a ir por nós: um Deus solidário,
que entra na nossa vida, que assume as nossas contradições, que sofre
conosco e morre conosco para nos fazer ressuscitar com Ele, mantendo-nos
sempre aberto o caminho da salvação.
Sexta-Feira
Santa; da Paixão! Em Cristo, Deus e o homem estão crucificados, Deus e o
homem sofrem juntos, gritam juntos, morrem juntos! Na cruz aparece o
amor de Deus e a esperança para o mundo…
Oração, silêncio, jejum, abstinência, diante do Mistério!
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