A reportagem é de Renato Grandelle, publicada pelo jornal O Globo, 08-04-2014.
Os conflitos do país, segundo o Atlas Global de Justiça Ambiental, estão ligados à abundância de projetos de infraestrutura relacionados ao meio ambiente. São obras, como a construção de hidrelétricas, que dividem ativistas e empreiteiras; e o setor agrícola, cujas plantações invadem unidades de conservação.
— O crescimento da população mundial provocará uma busca cada vez mais intensa por commodities, e o Brasil, que é rico em terra, água, petróleo e minérios, será um alvo — descreve Leah Temper, coordenadora do Atlas. — E este recursos estão em terras ocupadas por indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. Estes grupos serão os mais afetados.
Entre os conflitos ecológicos brasileiros estão episódios de grilagem para especulação imobiliária e a disputa por regiões que poderiam receber projetos como barragens hidrelétricas. São instalações que ampliam a geração de energia por uma matriz energética considerada limpa, mas que provocam alto impacto ambiental no local de sua construção.
Falhas na legislação
Apesar do processo de industrialização nacional ter catapultado nas décadas passadas, as exportações do Brasil são altamente dependentes de produtos do setor primário. Em 2012, metade dos produtos comercializados para outras nações vinham do agronegócio — carne, soja, etanol, por exemplo — e outros semiacabados, entre eles alumínio e aço bruto. O potencial econômico do campo leva extrativistas a se aventurarem em reservas indígenas.
Professor de Direito Ambiental da Fundação Getúlio Vargas, Rômulo Sampaio lembra que a exploração de commodities sempre gera disputa de interesses.
— O petróleo, por exemplo, provoca interesses nacionais, conservacionais e do mercado privado — destaca. — No campo, o problema fundiário torna o conflito ainda mais agudo, devido à desigualdade na distribuição de propriedades.
Sampaio atribui os dilemas ambientais e suas consequências sociais a falhas graves na legislação.
— Não há uma discussão sobre como lidar com os conflitos — condena. — Falta uma orientação, uma política pública. O debate só aparece na hora de implementação de cada projeto. Por isso, aumenta o número de ações no Judiciário.
A Fiocruz realiza, desde o ano passado, um catálogo sobre injustiças ambientais no Brasil. O órgão foi uma das fontes do mapeamento da UAB e, em trabalhos independentes, destaca os danos à saúde coletiva provocados pelos conflitos ecológicos. Nas grandes cidades, moradores no entorno de lixões estão sujeitos a doenças respiratórias, dengue e leptospirose.
Já a atuação da indústria em áreas próximas a rios leva à alteração do ciclo reprodutivo da fauna, a doenças cardíacas e à insegurança alimentar.
— Analisamos denúncias de problemas de saúde causados por conflitos ecológicos, como a contaminação de rios por agrotóxicos — revela Marcelo Firpo Porto, professor do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Escola Nacional de Saúde Pública. — As doenças estão ligadas à degradação dos ecossistemas.
Em seu novo mapeamento, a Fiocruz já identificou 450 casos de conflito ecológico no Brasil.
— Levamos ao mapeamento da UAB os casos mais emblemáticos, relacionados ao comércio internacional — conta. — Mas conhecemos muitas outras ocorrências, de âmbito regional ou nacional.
No Rio, por exemplo, a Zona Oeste registra dois casos que seriam atentados à justiça ambiental. O polo industrial de Santa Cruz já provocou emissões de uma poeira de ferro e carbono, que causa danos ao aparelho respiratório.
Na Barra da Tijuca, moradores de comunidades vizinhas à Vila do Autódromo são ameaçadas de remoção devido à especulação imobiliária. A região receberá instalações para os Jogos Olímpicos. Segundo a Fiocruz, alterações já realizadas pelo assoreamento de recursos hídricos no local pioram a qualidade de vida da população.
Para Sampaio, as comunidades urbanas e rurais têm em comum a falta de mobilização, que permite a sobrevivência de problemas seculares.
— Não existe uma organização social entre as comunidades menos favorecidas, o que prejudica sua representatividade — assinala.
Leah, que está à frente da organização do Atlas, reconhece que o mapeamento ainda tem um longo caminho para percorrer. Nesta primeira edição, o trabalho contou com a adesão de 23 universidades e ONGs de justiça ambiental de 18 países.
‘Dívida ambiental’
O levantamento não chegou a regiões expressivas do planeta, como a China, a Ásia Central e o Oriente Médio.
— Temos muitos lugares em branco no mapa — reconhece. — Mas, agora que ele é público, vamos convidar pesquisadores e ativistas dessas regiões para documentar outros conflitos e expandir o nosso conhecimento.
A coordenadora do Atlas, no entanto, assegura que a iniciativa já confirma um padrão histórico.
— O Hemisfério Sul continua suprindo as nações desenvolvidas com manufaturas de baixo preço e pagam um alto preço ecológico. As nações ricas têm uma “dívida ambiental” — analisa.
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