sábado, março 15, 2014

No centenário de Abdias Nascimento, luta contra racismo ainda é desafio


No dia em que se comemora os 100 anos de Abdias Nascimento, debates e apresentações culturais prestaram homenagem ao ativista precursor da luta pela igualdade racial no país. Pela manhã, o Clube de Engenharia promoveu o debate Democracia Racial: Atingimos os Objetivos?, onde foram discutidos a democracia racial no Brasil, nos Estados Unidos e na África do Sul.

Na parte da tarde, um grande evento no Centro Cultural Ação da Cidadania reuniu professores, intelectuais e artistas para lembrar o legado deixado pelo escritor em mais de 80 anos de luta contra o racismo. A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, destacou que Abdias foi crucial nessa luta.

“É uma pessoa que viveu muito tempo, então ele viveu e acompanhou a luta antirracista desde os anos 40. De uma certa forma, ele colocou quais eram as principais questões do racismo no Brasil, entre elas a questão da violência policial, que foram temas que permaneceram ao longo do tempo e que permanecem até hoje como desafios importantes a serem superados naquilo que se refere à discriminação contra negros”.

Ela lembra que Abdias foi o primeiro parlamentar a fazer uma proposta de ações afirmativas no Brasil, em 1983, e que apenas 20 anos depois os princípios apresentados por ele começaram a ser utilizados nas políticas públicas, como as cotas raciais nas universidades.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Kabengele Munanga, congolense especialista em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, uma das grandes contribuições de Abdias foi a introdução do ensino de história da África e dos negros nas escolas, a partir da publicação das revistas Sankofa e Thoth – Escriba dos Deuses – Pensamento dos povos africanos e afrodescendentes, enquanto era senador.

“As duas revistas oferecem textos, imagens e ilustrações que enfocam uma África autêntica e suas contribuições na civilização universal, além de apresentar uma história do negro brasileiro que rompe com a historiografia colonial e racista que até agora permeia muitos livros e materiais didáticos. A Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino da história do negro e da África no ensino básico brasileiro, pode ser considerada uma consagração das propostas do senador Abdias nas revistas Thoth e Sankofa”.

A professora Elisa Larkin Nascimento, viúva do escritor e diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), explica que o debate de ontem (14) foi sobre a “falsa democracia racial” que ainda ocorre no Brasil. “Essa ideia da democracia racial na verdade, durante muito tempo, funcionou muito mais como um instrumento de opressão, de negação do próprio direito do alvo do racismo se insurgir e combatê-lo e lutar por seus direitos. O resquício pode ser visto nos argumentos contra as políticas de cotas, de que quem trabalha com o conceito de raça é racista. Isso tenta desviar o discurso para um lado de genética e biologia, que não é por onde nós vamos. É uma questão social, histórica e cultural, e também continua a mesma tradição brasileira de negar ao negro seu direito de própria defesa”.

Para a ministra Luiza Bairros, a sociedade brasileira avançou no combate à desigualdade racial e na inserção do negro na sociedade, mas ainda há sérios problemas, com destaque para a questão da segurança pública. “Os negros continuam sendo os mais abordados pelas polícias, continuamos sendo a maioria nas prisões, a maioria dos que nãos tem acesso a instrumentos legais de defesa que permitam um acesso pleno à justiça. Acho que nessa área a gente ainda tem muito o que caminhar”, diz.

De acordo com a ministra, a Seppir fez, no ano passado, um protocolo para melhorar o acesso do negro à Justiça, especialmente os jovens, em conjunto com Ministério da Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público, Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal.

Abdias Nascimento morreu em 2011, aos 97 anos.

Agência Brasil

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