quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Extensão de obra da transposição do São Francisco é quase a distância entre Recife e Salvador

Entenda como está sendo construído o maior empreendimento de infraestrutura hídrica do Brasil

O Projeto de Integração do Rio São Francisco terá aproximadamente 620 quilômetros de extensão (quase a distância entre Recife e Salvador), com construções que chegam a ter a altura de um edifício de mais de 10 andares, pontes, passarelas, estações de bombeamento, de controle, túneis, aquedutos, canais, barragens e reservatórios. De acordo com o Ministério da Integração, 8,7 mil trabalhadores atuam em 113 frentes de serviço, onde operam quase duas mil máquinas, e está prevista a contratação de mais mil novos postos de trabalho até março de 2014.

Conforme o Ministério, no segundo semestre de 2014 a obra já terá água em alguns trechos de canais.

Para o início da construção, em 2007, a obra foi dividida em 14 lotes, mais dois canais de aproximação – concluídos pelo Exército Brasileiro. Havia nada menos que 80 empresas envolvidas nas atividades de engenharia civil, eletromecânica, ambiental, gerenciamento e supervisão, segundo informações do Ministério da Integração – o que provocava inúmeros problemas de gerenciamento.

Por isso, em 2010 a obra parecia ter perdido o fôlego; houve, inclusive, notícias sobre paralisação, em meados daquele ano. Segundo o Ministério do Planejamento, a obra atrasou também pela complexidade e necessidade de executar serviços não contemplados nos contratos de então, exigidos pela distância entre canais, pela diversidade de tipos litológicos (terrenos arenosos, pedregosos), e pelos mais variados estágios de intemperismos (alternância de secas e períodos chuvosos em sete anos de obras). “O grau de certeza dos materiais geológicos a serem enfrentados só pode ser efetivamente conhecido ao decorrer da execução das obras, fazendo-se necessários alguns ajustes”, foi o relato ministerial. Ironicamente, a falta de água nos últimos anos também atrapalhou, já que para fazer o concreto nas estações de bombeamento, de controle e nos canais teve que ser trazida de caminhão, do mesmo rio São Francisco.

Mesmo com a demora, em janeiro de 2012 havia mais de três mil trabalhadores em campo. Naquele ano, o Ministério da Integração abriu uma nova rodada de licitações, e foram retomadas as atividades na obra, a um custo previsto de quase 8,2 bilhões de reais – o dobro do previsto na licitação original.

Posteriormente, a fim de agilizar a retomada dos trabalhos, a obra foi dividida em três metas para cada Eixo. No Eixo Leste, o Consórcio São Francisco Leste, formado pelas empresas da S.A. Paulista e Somague, ficou responsável pelas metas 1 Leste e 2 Leste. O Consórcio Bacia do São Francisco, formado pelas empresas S.A. Paulista e FBS Construtora, assumiu a Meta 3 Leste. E as empresas EMSA e Mendes Júnior, remanescentes dos contratos anteriores, estão trabalhando no antigo Lote 10, (Meta 2L) um trecho de 40 km com conclusão prevista para 2014. A supervisora do Eixo Leste é o Consórcio Ecoplan/Techne/Skill.

No Eixo Norte a construtora Mendes Júnior executa a Meta 1 Norte. A Serveng AS ficou encarregada de concluir a Meta 2 Norte. A Meta 3 Norte está à cargo da Queiroz Galvão. O Consórcio Águas do São Francisco, formado pelas empresas SA Paulista, Carioca, Serveng-Civilsan, permanecem com os antigos lotes 1 e 2 (Meta 1N, no Eixo Norte) até a conclusão. E a Construcap, Toniollo e Busnello e Ferreira Guedes com o antigo lote 14 (Meta 3N). As supervisoras do Eixo Norte permanecem nas novas licitações: Engevix e Quanta Engenharia; e Magna Engenharia.

Conforme explica o engenheiro da empresa supervisora Ecoplan, Eduardo Melloni, a vazão média de água no Eixo Leste trabalhada é de 16 metros cúbicos por segundo, e a do Norte é de 19 metros cúbicos por segundo. Os canais estão projetados para transportar capacidade máxima de 99 metros cúbicos no Norte e 28 metros cúbicos no Eixo Leste. O regime de quantidade de água irá variar de acordo com as necessidades das bacias.


Visitando o canteiro de obras

A reportagem viajou ao longo da obra no Eixo Leste em dezembro de 2013. Vários trechos estavam com os canais escavados, mas ainda sem a colocação do concreto poroso, da manta e do concreto de proteção sobre o qual, finalmente, correrá a água. “Este foi um trecho que teve escavação terceirizada, e o resultado final dessa escavação não ficou bom”, explica o analista de infraestrutura Marcílio Lira de Araújo, do Ministério do Planejamento, para explicar porque foi necessária uma nova rodada de licitações.

“A construtora que estava com esse lote, a EMSA, pediu um serviço novo, com novo preço, para fazer a conformação da calha, ou seja, um serviço adicional para fazer a regularização da escavação. Mas o preço dado foi muito alto e o Ministério decidiu suprimir esses trechos de canal do contrato dela e licitar, no caso, como obras remanescentes”.

O Ministério da Integração informou que está investigando os contratos anteriores de obras do empreendimento. Caso as inconformidades não sejam corrigidas, os valores referentes a esses serviços terão que ser devolvidos ou haverá desconto dos saldos a receber das empresas. Os serviços que não forem executados serão realizados pelos novos contratos, com recursos devolvidos a União.

Os mais de 1.230 trabalhadores do Eixo Leste enfrentam muita poeira e temperaturas que chegam aos 40°C no sol da caatinga nos caminhões que os levam aos seis canteiros de obra ao longo de 217 km de extensão, jogando água nas estradas para controlar a poeira. Eles trabalham pesado no revestimento de concreto no primeiro trecho, antes da barragem Cacimba Nova, em Pernambuco (Meta 3L). Seguindo o canal há outro trecho, onde está sendo feita a mureta de proteção, e adiante o reservatório e o dique Bagres, além do reservatório Copiti, onde termina o antigo lote 10 (Meta 3L).

Durante as folgas, eles fazem as refeições nas frentes de trabalho, debaixo de tendas. A estrutura conta ainda com banheiros químicos e itens de segurança como placas de avisos, cercas e corrimãos. Conversam pouco; a energia de cada um é lançada nas picaretas, na condução das máquinas, no manuseio das motosserras, enfim, na construção da via expressa por onde percorrerá a água.

Na Estação de Bombeamento 1 do Eixo Leste, localizada na tomada de água do reservatório de Itaparica, na Bacia do São Francisco, os operários finalizam a estrutura que irá bombear uma quantidade de água que ocuparia o equivalente a um prédio de 10 andares. “Todo o pessoal aqui é de Petrolândia, em Pernambuco. A empresa contratou dando prioridade à cidade mais próxima do canteiro de obras”, diz José dos Santos Morais, coordenador administrativo da obra. “A turma arrumou emprego fácil”. A estação de bombeamento funciona como uma turbina hidrelétrica ao contrário: a água entra pelos vãos embaixo, e é elevada para o canal que dá continuidade à transposição.

O encarregado de almoxarifado Alan Gomes da Silva trabalha no local desde 2007. “Em 2009 deu uma parada, quer dizer, parar, não parou. Tinha gente trabalhando, assentando as pedras. Mas era pouco. Ano passado que voltou com força”, lembra.

Embora os prazos finais divulgados pelo Ministério da integração sejam para fins de dezembro de 2015, o fiscal Marcílio Lira de Araújo acredita que as águas deverão alcançar o reservatório Poções, em Monteiro, Paraíba, apenas no primeiro trimestre de 2016. “Isto, considerando o andamento atual da obra. Temos o túnel de Sertânia para Monteiro, que ainda está na fase de supressão vegetal e deverá tomar algum tempo de execução”, pondera.

Já o Ministério da Integração garante o reforço nas frentes de trabalho com a contratação de cerca de 800 novos trabalhadores para atuar no Eixo Leste do empreendimento.


A água prometida, só em 2025

A obra inteira, com todos os ramais, deve estar pronta em 2025.“Os estados estão comprometidos em melhorar as condições de esgotamento sanitário dos municípios e com a execução dos ramais que darão continuidade à distribuição das águas em cada território”, garante João Azevedo, secretário estadual de Recursos Hídricos, Ciência e Tecnologia da Paraíba.

O Eixo Leste terá dois grandes ramais. O Ramal do Agreste, em Pernambuco, com 71 km de extensão, sai do reservatório Barro Branco, na altura do município de Sertânia, e vai até os reservatórios Negros e Ipojuca; de lá, o projeto prevê uma série de adutoras que abastecerão a região do agreste pernambucano. Outro é o Ramal das Vertentes Litorâneas, conhecido também como Acauã-Araçagi, na Paraíba, com 112 km; do reservatório Acauã, as águas serão conduzidas para o reservatório Araçagi, abastecendo o Agreste paraibano, , região que concentra em torno de um terço da população do estado, a cerca de 100 km do litoral. No reservatório Copiti (no Lote 10, Meta 3L) foi dimensionado um volume de água para abastecer o Açude público Poço da Cruz, reservatório importante em Ibimirim, em Pernambuco.

Outros cinco Eixos Associados sairão a partir do Eixo Norte, chegando até o Entremontes, Oeste pernambucano, a Juazeiro do Norte e ao Crato, no Ceará, a Cajazeiras na Paraíba, em direção ao rio Jaguaribe, no Ceará, e a Sudoeste do Rio Grande do Norte, além do litoral do Ceará.

Esses ramais serão executados em outras etapas, contando com recursos do governo federal, (PACs I e II), e serão de responsabilidade dos estados.


Impactos e Compensação socioambiental

A atual obra de Transposição do São Francisco foi o primeiro projeto de transposição do rio a ter um Estudo de Impacto Ambiental (EIA); o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) foi publicado em julho de 2004. Os estudos identificaram 44 impactos, sendo 23 de maior relevância, 11 positivos e 12 negativos, estipulando 38 medidas mitigatórias (para amenizar ou compensar os impactos negativos). Essa medidas – estudadas desde 2008 – foram divididas em quatro grupos: Gestão (comunicação social); Meio Biótico (fauna e flora); Meio Físico (impactos diretamente nas obras); Meio Antrópico (junto às comunidades e vilas rurais).

Na Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), parceira do projeto, a verba de mitigação foi usada para criar o Centro Especializado de Manejo de Animais da Caatinga (Cema Fauna Caatinga/Cetas), o Núcleo de Ecologia Molecular (Necmol), e laboratórios de ecologia, genética, microbiologia e bioquímica. Um estudo com a flora da Caatinga, coordenado pelo professor e pesquisador José Alves Siqueira Filho, resultou no livro “Floras das Caatingas do Rio São Francisco”, publicado em 2012 e agraciado com o Prêmio Jabuti em 2013.

No início das escavações, foi encontrada uma espécie nova da família Lythraceae, uma flor tropical usada para ornamentação, que está em processo de aprovação pela comunidade botânica internacional. A espécie é considerada endêmica: só foi encontrada em uma área da cidade de Salgueiro, em Pernambuco.

Na fase de supressão vegetal inicial, os arbustos e pequenas árvores típicas da caatinga são cortados; pouco depois entram os tratores e escavadeiras, fazendo a terraplanagem do terreno. “A gente monitora a fauna antes, durante e depois do empreendimento pra entender o fluxo dos animais ao longo da obra. Nesta fase atual os animais costumam correr por causa do barulho das motosserras. Ainda assim, encontramos muitos lagartos, ninhos de pássaros e enxames de abelhas”, explicou a formanda em Ciências Biológicas pela Univasf, Elen Ataíde, que faz o acompanhamento ambiental da área onde será construído o túnel entre Sertânia e Monteiro.

Estudos feitos pelo Cema apontaram registros de ampliação de distribuição de espécies animais, principalmente de lagartos e pássaros que não eram naturais da caatinga, migraram para o bioma por algum motivo, e se adaptaram. Animais que habitavam somente um estado também estão sendo encontrados em outros. “A partir dos investimentos feitos pelo projeto da transposição a gente conseguiu estudar e ter outra visão da caatinga. A obra não deixa de ser um impacto, mas tem uma compensação enorme do ponto de vista científico, econômico e social”, diz a estudante.

Além disso, ao longo das prospecções que são realizadas antes da supressão vegetal, foram descobertos 225 sítios arqueológicos na área de abrangência do empreendimento, inclusive a ossada petrificada de uma preguiça gigante pré-histórica, revelando a existência desses animais nessa região – fato até então desconhecido. “É um achado incrível para a composição da história do período cretáceo no Brasil”, diz o paleontólogo Leandro Lima, do Instituto Nacional de Arqueologia e Paleontologia e Ambiente do Semiárido.

Foto: Mano de Carvalho Fonte: Agência Pública Postador: Edson Gilmar