Involuntariamente, foi como internauta que o docente reacendeu o debate sobre a utilização das mídias sociais como plataforma de opinião pessoal ao expressar em seu perfil, no dia 9 de janeiro, entre outros termos adjetivados, que tem “ódio a homo galinha”. Alvo de duros questionamentos, inclusive de seus próprios alunos, patinou entre várias respostas diferentes, sempre negando a titulação de preconceituoso. Não baixou a guarda e convocou virtualmente os heterossexuais a se unirem, ao mesmo tempo em que cogitou pedir perdão de joelhos a quem se sentiu ofendido.
A reportagem é de André Duarte, publicada no site do Diario de Pernambuco, no dia 19/01/2014.
O Diario ouviu profissionais de áreas tão diversas quanto a própria natureza da internet, mas todos convergem para a linha da cautela como princípio básico de qualquer manifestação de opinião on-line: “Nem em mesa de bar se pode dizer tudo o que se pensa e o que se deseja, pois a ausência de freios verbais pode provocar colisão com o ponto de vista do parceiro de conversa, o qual se usar do mesmo expediente iniciará um inevitável e desnecessário conflito”, pontua Antonio Carlos Xavier, professor de Linguística do Departamento de Letras da UFPE e estudioso dos chamados hipertextos (textos digitais que costumam surgir em blocos junto com outros formatos, como imagens, sons e efeitos gráficos).
Em coro, os entrevistados alertam para a falsa ideia de liberdade de expressão sem limites éticos e legais. Algo que ajudaria a explicar a multiplicação de casos polêmicos como o do professor no Brasil e mundo, muitos com implicação direta no trabalho através de demissões ou processos, mesmo que as postagens tenham conteúdo de natureza pessoal.
O jornalista Luiz Carlos Pinto, que no mestrado e doutorado em Sociologia pela UFPE se debruçou sobre as reações da sociedade civil contra ameaças de controle do trânsito de informações na rede, faz uma ressalva antes de registrar sua opinião: “O Facebook não é internet. São coisas diferentes. O Facebook não é público, não é democrático, não é gratuito, muito menos livre. É um negócio com regras privadas e que tem um dono”, diz ele, adicionando que o usuário da rede criada pelo programador americano Mark Zuckerberg paga pelo serviço com muito “tempo e atenção”.
A despeito do conteúdo, postagens como do professor, segundo Luiz Carlos Pinto, dificilmente teriam a mesma carga negativa de uma manifestação publicada numa plataforma tradicional da web. “A visibilidade foi maior porque foi postado em uma rede. Se fosse em um blog institucional da universidade, por exemplo, aquilo possivelmente não teria tanta repercussão”, diz o pesquisador, que disse estranhar o fato de um agente de ensino federal, pago com dinheiro público, contrarie a legislação e incite a intolerância. “A opinião dele dá a medida da cultura política, da cultura homofóbica, do nosso traço nacional. Sou a favor da liberdade de expressão, da mesma forma que defendo a responsabilidade pelos atos civis praticados por cada um”.
Perfil virtual não blinda o cidadão
O procurador de Justiça de Pernambuco José Lopes, que costuma estudar o debate jurídico envolvendo os delitos de internet, explica que os crimes contra a honra de terceiros, incluindo injúria, calúnia e difamação, só podem virar processo se alguém se sentir pessoalmente ofendido com uma postagem e mover voluntariamente uma ação. “O Ministério Público, com exceção do crime de racismo, não atua como titular da ação”, lembra Lopes, que defende a atualização das leis nacionais, com dispositivos específicos para a rede mundial: “Nós estamos mais de dez anos defasados em relação a países europeus. Ofensa à honra é subjetiva do indivíduo. Um bandido com mais de 600 crimes nas costas também tem sua honra. Isso não muda na internet”.
José Lopes lembra que o velho bom senso ainda é o melhor antídoto para evitar problemas: “Não existe pseudoanonimato quando se trata de crime na rede. O perfil virtual não blinda o cidadão que está por trás dele”. Antonio Xavier adota o mesmo tom e sugere que o usuário pense duas vezes antes de pulverizar um pitaco ou comentário: “A internet é sim um território livre, mas as pessoas não estão isentas das consequências que uma verborragia pode lhes trazer. É preciso refrear a língua, ponderar as palavras e pensar no mal-estar que certas coisas postadas podem causar”.
Em tempo: segundo a assessoria de comunicação de UFRPE, as queixas contra o Ademir Ferraz ainda estão em análise na ouvidoria da universidade. Elas serão apreciadas de acordo com a Lei do Servidor Público, que levará em conta apenas o conteúdo postado por ele na função de professor, e não na esfera privada.
Casos polêmicos envolvendo postagens nas mídias sociais
- A jornalista Micheline Borges, do Rio Grande do Norte, publicou em seu perfil que médicas cubanas tinham “cara de empregada doméstica”. Ela responde a um processo por danos morais movido pelo Sindicato das Domésticas de São Paulo.
- A estudante paulista Mayara Petruso, que nas redes sociais publicou que “nordestino não é gente”, foi processada pela Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) por crime de racismo. No ano seguinte, a estudante gaúcha Sophia Fernandes também foi alvo de outra denúncia da OAB pelo mesmo motivo.
- Em um caso emblemático, o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) causou polêmica ao postar no Twitter o comentário “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”. Ele foi processado no STF por crime de preconceito e sua gestão na Comissão de Direitos Humanos da Câmara foi alvo de vários protestos.
- Justine Sacco, executiva de uma multinacional, foi demitida após postar um comentário no Twitter que provocou repercussão instantânea nas mídias sociais e na imprensa: “Indo para a África. Tomara que não pegue Aids. Brincadeira, sou branca”.
- O cantor Ed Motta causou polêmica há três anos ao postar que “mulher feia tem que ser megacompetente (risos)”. Criticado, alegou que não sabia que seu perfil no Facebook estava aberto ao público e disse que não passou de “brincadeiras com amigos”.
- O promotor de Justiça de São Paulo, Rogério Zagallo, foi demitido da universidade privada onde ensinava no ano passado após postar no Facebook que a polícia poderia matar os manifestantes do Movimento Passe Livre, pois ele mesmo arquivaria os processos.
Em coro, os entrevistados alertam para a falsa ideia de liberdade de expressão sem limites éticos e legais. Algo que ajudaria a explicar a multiplicação de casos polêmicos como o do professor no Brasil e mundo, muitos com implicação direta no trabalho através de demissões ou processos, mesmo que as postagens tenham conteúdo de natureza pessoal.
O jornalista Luiz Carlos Pinto, que no mestrado e doutorado em Sociologia pela UFPE se debruçou sobre as reações da sociedade civil contra ameaças de controle do trânsito de informações na rede, faz uma ressalva antes de registrar sua opinião: “O Facebook não é internet. São coisas diferentes. O Facebook não é público, não é democrático, não é gratuito, muito menos livre. É um negócio com regras privadas e que tem um dono”, diz ele, adicionando que o usuário da rede criada pelo programador americano Mark Zuckerberg paga pelo serviço com muito “tempo e atenção”.
A despeito do conteúdo, postagens como do professor, segundo Luiz Carlos Pinto, dificilmente teriam a mesma carga negativa de uma manifestação publicada numa plataforma tradicional da web. “A visibilidade foi maior porque foi postado em uma rede. Se fosse em um blog institucional da universidade, por exemplo, aquilo possivelmente não teria tanta repercussão”, diz o pesquisador, que disse estranhar o fato de um agente de ensino federal, pago com dinheiro público, contrarie a legislação e incite a intolerância. “A opinião dele dá a medida da cultura política, da cultura homofóbica, do nosso traço nacional. Sou a favor da liberdade de expressão, da mesma forma que defendo a responsabilidade pelos atos civis praticados por cada um”.
Perfil virtual não blinda o cidadão
O procurador de Justiça de Pernambuco José Lopes, que costuma estudar o debate jurídico envolvendo os delitos de internet, explica que os crimes contra a honra de terceiros, incluindo injúria, calúnia e difamação, só podem virar processo se alguém se sentir pessoalmente ofendido com uma postagem e mover voluntariamente uma ação. “O Ministério Público, com exceção do crime de racismo, não atua como titular da ação”, lembra Lopes, que defende a atualização das leis nacionais, com dispositivos específicos para a rede mundial: “Nós estamos mais de dez anos defasados em relação a países europeus. Ofensa à honra é subjetiva do indivíduo. Um bandido com mais de 600 crimes nas costas também tem sua honra. Isso não muda na internet”.
José Lopes lembra que o velho bom senso ainda é o melhor antídoto para evitar problemas: “Não existe pseudoanonimato quando se trata de crime na rede. O perfil virtual não blinda o cidadão que está por trás dele”. Antonio Xavier adota o mesmo tom e sugere que o usuário pense duas vezes antes de pulverizar um pitaco ou comentário: “A internet é sim um território livre, mas as pessoas não estão isentas das consequências que uma verborragia pode lhes trazer. É preciso refrear a língua, ponderar as palavras e pensar no mal-estar que certas coisas postadas podem causar”.
Em tempo: segundo a assessoria de comunicação de UFRPE, as queixas contra o Ademir Ferraz ainda estão em análise na ouvidoria da universidade. Elas serão apreciadas de acordo com a Lei do Servidor Público, que levará em conta apenas o conteúdo postado por ele na função de professor, e não na esfera privada.
Casos polêmicos envolvendo postagens nas mídias sociais
- A jornalista Micheline Borges, do Rio Grande do Norte, publicou em seu perfil que médicas cubanas tinham “cara de empregada doméstica”. Ela responde a um processo por danos morais movido pelo Sindicato das Domésticas de São Paulo.
- A estudante paulista Mayara Petruso, que nas redes sociais publicou que “nordestino não é gente”, foi processada pela Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) por crime de racismo. No ano seguinte, a estudante gaúcha Sophia Fernandes também foi alvo de outra denúncia da OAB pelo mesmo motivo.
- Em um caso emblemático, o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) causou polêmica ao postar no Twitter o comentário “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”. Ele foi processado no STF por crime de preconceito e sua gestão na Comissão de Direitos Humanos da Câmara foi alvo de vários protestos.
- Justine Sacco, executiva de uma multinacional, foi demitida após postar um comentário no Twitter que provocou repercussão instantânea nas mídias sociais e na imprensa: “Indo para a África. Tomara que não pegue Aids. Brincadeira, sou branca”.
- O cantor Ed Motta causou polêmica há três anos ao postar que “mulher feia tem que ser megacompetente (risos)”. Criticado, alegou que não sabia que seu perfil no Facebook estava aberto ao público e disse que não passou de “brincadeiras com amigos”.
- O promotor de Justiça de São Paulo, Rogério Zagallo, foi demitido da universidade privada onde ensinava no ano passado após postar no Facebook que a polícia poderia matar os manifestantes do Movimento Passe Livre, pois ele mesmo arquivaria os processos.
Diario de Pernambuco
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