quarta-feira, setembro 04, 2013

Salgueiro: Jogadoras de futsal de comunidade quilombola representam PE nos Jogos Escolares da Juventude

Dandara, Ana e Luana são de Conceição das Crioulas, em Salgueiro
Foto de Paulo Floro/NE10
Perto das 18h de um domingo, um grupo de meninas joga futebol em uma quadra de esportes na comunidade quilombola Conceição das Crioulas, distrito de Salgueiro, a 520 km do Recife. Todas têm entre 13 e 15 anos e algumas fazem parte do time que irá representar Pernambuco na modalidade nos Jogos Escolares da Juventude da categoria mirim (de 12 a 14 anos), que começa esta semana em Natal. Era improvável que um time da região, apesar de toda a precariedade e dificuldades enfrentadas, conseguisse o feito, mas elas bateram todos os times na etapa regional formado por escolas públicas e particulares do Estado. Desde que foram classificadas, há cerca de um mês, o treinamento tem sido diário, incluindo os finais de semana. 

O time da Escola Municipal José Mendes vem se destacando desde 2011. Elas foram vice-campeãs dos Jogos Escolares Regionais do Sertão Central no ano passado e venceram tanto escolas particulares como públicas, muitas delas com tradição no futsal. É o mesmo grupo que agora se prepara para enfrentar pela primeira vez um time de outro Estado. A rotina delas é bem diferente de uma atleta do mesmo nível em outras cidades. A maioria cumpre afazeres domésticos, como cuidar dos irmãos e cozinhar, e muitas trabalham. Elas ainda participam de outras atividades nas escolas, como aulas de percussão. “Poucas equipes de escolas públicas conseguiram passar para o nacional”, disse um dos técnicos do time, Adalmilton Silva, na sede da Associação Quilombola Conceição das Crioulas, em uma segunda de sol forte no local, remanescente de quilombo. “Elas enfrentaram jovens que já fazem parte do quadro de times como Náutico, Santa Cruz e Sport. Mas o que mais nos chamou atenção foi o fator psicológico. Elas chegam na quadra como se estivessem em casa”.

AGORA COM PADRÃO PRÓPRIO - Ex-atleta local, Adalmilton treina o grupo desde 2011. Antes, as escolas de Conceição das Crioulas tinham apenas atletismo, o que gerou muitos troféus em competições regionais. Com o tempo, o futebol de salão passou a ganhar espaço entre os jovens. Na sala da diretoria da Escola José Mendes, onde estudam as jogadoras classificadas para os Jogos da Juventude, as estantes estão abarrotadas de medalhas e troféus. “Aqui o povo treina descalço em uma quadra descoberta, mal iluminada e com muitos buracos. Uma menina machucou o pé e passou um mês inteiro sem jogar”. Durante toda a fase regional, o time competiu com um uniforme emprestado de outra escola, a José Néu. Por falta de dinheiro, elas contavam com chuteiras apenas nos dias de jogo. “As meninas estranhavam o calçado quando chegavam lá”, diz. Por causa das regras dos Jogos da Juventude, a diretoria da escola precisou encomendar um padrão próprio. “Foi preciso muita pressão para que a prefeitura ajudasse. Ainda estamos nos virando em muitas coisas, mas já melhorou bastante”.

Iniciado no final da década de 1950, os Jogos Escolares de Pernambuco reúnem todos os anos cerca de 50 mil estudantes em todas as fases, segundo dados da Secretaria dos Esportes do Estado. O campeonato classifica para os Jogos da Juventude, evento ligado ao Comitê Olímpico Brasileiro que terá este ano seis mil participantes de 12 a 14 anos de todo o Brasil, um recorde. Muitos atletas representando escolas foram descobertos por clubes ao longos dos anos. E a atacante Dandara Mendes, 13 anos, de São Conceição das Crioulas, é candidata a ser um desses nomes. Além do elogio de seu treinador, ela foi também a artilheira no futsal feminino na fase estadual. De porte esguio e estatura mediana, é bastante reservada. Na arquibancada da quadra de esportes, ela dava entrevista sem desgrudar os olhos das outras meninas que treinavam no campo. “Não sei nem o que vou enfrentar, mas estou preparada para qualquer coisa. Sei que os competidores serão de alto nível, bem mais difícil”.

Ela espera seguir no esporte, mas ainda divide sua paixão pelo futebol com o desejo de ser cantora. A mãe, Rozeane Mendes, é uma das líderanças na Associação Quilombola. Não esconde o orgulho da filha, mas fica apreensiva com a possibilidade de ela ganhar o mundo. “Tem hora que não gosto nem de imaginar. Sei que tem muitos olheiros nessas competições. Mas desejo somente o melhor para ela”. Na quadra, ao fim de um dia de aula na segunda-feira, as meninas treinavam com os meninos. “Eles são um pouco mais velhos e do time juvenil. É nosso jeito para ganhar mais ritmo”, explicou Dandara.

Ana Cherlly, 13 anos, é a goleira. Também é considerada uma das revelações do time. Mais à vontade que as amigas, ela é pequena e forte. Diz que nem todas as mães da comunidade apoiam. “Eu me machuco muito e muitas vezes levo reclamação”. Perguntada sobre o que pensa para o futuro, foi firme na resposta: “Vou ser jogadora de futebol. Quero seguir na carreira e trabalhar em um clube”.

Será a primeira vez que as meninas fazem uma viagem para fora de Pernambuco. Nesta etapa, o Governo paga a hospedagem das atletas. Elas vieram para o Recife antes de seguirem para Natal, sede dos jogos este ano. O treinador acredita que todas chegam maduras ao evento e que, psicologicamente, estão prontas para enfrentar o desafio. “O entrosamento delas é algo que impressiona. São emocionalmente fortes”, diz Adalmilton.

SECA - A delegação pernambucana embarcou para Natal nesta quarta (4) com 173 atletas de esportes coletivos e individuais. A participação de um time feminino de Conceição das Crioulas é um orgulho para a comunidade. Parte do município de Salgueiro, o lugar tem cerca de 3 mil habitantes. Há dois anos, a população sofre com a seca que atinge o Sertão e enfrenta problemas como a falta de pavimentação na estrada que dá acesso ao povoado. Mas a comunidade é um exemplo de mobilização. Nos últimos anos, vem conseguindo avanços na luta contra desigualdades sociais. Na comunidade, a luta pela titulação e ocupação da terra já desapropriou duas fazendas para uso coletivo dos quilombolas. A ida das meninas para a competição nacional, contra todas as intempéries, tem jeito de uma feliz vitória nesse contexto de luta.

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