quinta-feira, agosto 08, 2013

Manari(PE) Lanterna do IDHM em PE, município tem escola em posto de gasolina; veja o histórico da cidade

Posto de gasolina em Manari vira escola com salas de aula improvisadas. (Foto: Luna Markman/ G1)
Posto de gasolina em Manari vira escola com salas de aula improvisadas. 

Quem trafega pela PE-300 passa batido por Manari, no Sertão de Pernambuco. Não tem placa indicando a chegada ao município, que também aparece apagado, em último lugar no ranking estadual do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com taxa de 0.487, considerada muito baixa pelos critérios das Nações Unidas. Em relação a todo País, a cidade deixou a lanterna e subiu 18 posições mas, desde a primeira medição do IDHM, em 1991, continua sendo o menos desenvolvido dos municípios pernambucanos. Os dados foram divulgados no fim de julho pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Recife ficou com 0.772, apontado como nível alto. A pontuação máxima é 1.

Entre os três critérios que baseiam a construção do IDHM, a educação foi a que obteve as piores avaliações do Pnud, na série histórica do índice. Em 2010, a taxa foi de 0.354 - ainda assim, acima dos 0.106 de 2000 e dos 0.014 de 1991. O cálculo do IDH-M leva em conta ainda a longevidade e a renda. O G1 saiu do Recife e viajou 400 quilômetros até Manari, cidade com 18.083 habitantes. Encontrou apenas uma escola na área urbana da cidade, que improvisa salas em um posto de gasolina desativado. Alunos da Zona Rural ainda se arriscam em viagens pendurados na traseira de caminhonetes.


Atualmente, Manari tem 4,9 mil alunos estudando em 37 escolas municipais e uma estadual. São 250 professores efetivos, e 90,9% deles estão no ensino fundamental, segundo o IBGE. O censo escolar deste ano ainda não foi fechado. Algumas mudanças nos últimos anos provocaram melhorias no IDHM educação, como a nucleação de escolas na Zona Rural, entrega de novas bancas escolares, mil bicicletas, concurso público para docentes e implantação da formação continuada de professores, cuja maioria é licenciada e tem pós-graduação, de acordo com o diretor de ensino do município, Manoel Gilberto da Silva. Mas os problemas ainda são muitos.

O vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Manari, Eugênio Pereira, denunciou ao Conselho Tutelar as salas improvisadas pela Escola Municipal Maria Alzira de Oliveira Jorge em um posto de gasolina desativado. "O Corpo de bombeiros de Serra Talhada [Sertão de Pernambuco] fez vistoria e encontrou risco grande no local, há gasolina infiltrada no terreno. Eles já encaminharam o laudo técnico para o Ministério Público de Inajá [cidade vizinha]", disse.
Duas salas do quarto e quinto ano funcionam logo na entrada do posto. Não têm porta, ventilador nem luz elétrica. Os alunos da tarde contam que os professores liberam mais cedo porque o lugar fica escuro. Barulho, moscas, banheiros sujos e merenda ruim são outras reclamações. Eles estão no "puxadinho" porque não há espaço na escola, que fica ao lado. O G1 flagrou jovens vindos de Serra do Seco, na Zona Rural, chegando para estudar pendurados na traseira de uma caminhonete lotada. "Melhor se tivesse dois carros para pegar a gente, vem apertado e é meio perigoso", comentou a estudante Rafaela Josefa Filha.

O diretor de ensino informou que a Prefeitura já pediu recursos para o governo estadual e federal para construir a escola em outro local, que ainda não foram liberados. Também informou que quatro ônibus fazem o transporte escolar e mais quatro foram adquiridos este ano. "O Tribunal de Contas de Arcoverde apontou irregularidades nas D20 [veículo da Chevrolet] e outros carros inadequados. Essa compra [dos ônibus] já reduziu o uso das D20, mas ainda precisamos delas pois tem lugar Zona Rural que ônibus não chega", explicou.
A  única creche da cidade também funciona de forma improvisada em um grande salão. A direção de ensino reconhece que os alunos da rede pública estão sem fardamento e algumas escolas da Zona Rural precisam de reformas nos telhados, banheiros, cantinas, além de ampliação. "A farda não chegou por atraso da empresa contratada, mas deve ser entregue ainda este ano", informou Manoel Gilberto.

Seca destruiu a economia
Serviços e agropecuária constituem o PIB da cidade, que alcançou R$ 69 milhões em 2010, segundo o Condepe/Fidem. A estiagem prolongada, que atinge o Nordeste há dois anos, afetou a produção agropecuária. Ninguém mais conseguiu plantar feijão e milho. As perdas foram totais. O rebanho bovinho caiu cerca de 35%.
A seca contribuiu para o êxodo rural e aumentou os preços na feira. "Nós últimos anos, com ajuda do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] e melhor escoação dos produtos agrícolas, com fixação de preço mínimo, a renda estava melhorando. Se não fosse a seca, não teríamos esse índice tão baixo, pois tivemos que gastar dinheiro para socorrer o povo da roça ao invés de investir em outros setores", disse o secretário de Agricultura, Manoel Ferreira.

A cidade decretou estado de emergência em abril de 2012. Na feira livre da cidade é possível ver a queda no poder de compra da população e a inflação dos produtos. O comerciante Magno Costa tem uma barraca de roupas, e anda triste com a pouca saída. "Acho que as vendas caíram uns 70%. O povo não tá plantando, vendeu o gado barato, estão priorizando comida mesmo", disse. O agricultor Josinal Silva está há três meses ajudando um colega a vender feijão, milho e farinha, já que abandonou a roça. Os produtos vêm de Minas Gerais, Bahia e Garanhuns, em Pernambuco. "Como vem de longe, está mais caro. O quilo da farinha, por exemplo, está R$ 6, quando a nossa é vendida por R$ 2. O povo ainda compra porque, se não, passa fome", comentou.

De acordo com o IBGE, o setor de serviços é o que mais contribui com o PIB de Manari. Agropecuária conta pouco; indústria, quase nada. A renda per capita média é de R$ 155,49, segundo o Pnud. "Muita gente aqui tem emprego na Prefeitura ou ganha benefícios como Bolsa-Família, Previdência Social e outros programas. Além disso cerca de 300 pessoas estão empregadas no comércio e serviços", informou o secretário de Agricultura, que também é contador do município.

Em 2011, a Prefeitura arrecadou R$ 28,711 milhões. Do total de despesas naquele mesmo ano, R$ 30.352, 44% foi gasto com educação e 15% em saúde, segundo o Condepe/Fidem. O secretário de Finanças, Lucas Bezerra, não quis conversar com o G1. Procurado pela reportagem, o Tribunal de Contas do Estado não deu retorno sobre o processo de prestação de contas da Prefeitura de Manari.

De acordo com o prefeito de Manari, Gilvan Araújo, a baixa receita do município dificulta a gestão. "É quase nada a arrecadação de imposto, só vem pouco IPTU e IPVA, além do Fundo de Participação dos Municípios [FPM]. Não temos indústria. Vamos investir em agricultura, que é o nosso forte. Temos doado sementes, arado [terrenos] na serra. É torcer que a chuva volte", disse. Ele também informou que implantou o programa "Viver Melhor", um benefício tipo Bolsa-Família que dá a mães pobres R$ 100 por até dois filhos e R$ 150 por três ou mais. Atualmente, há 850 mulheres cadastradas.

O Portal da Transparência informa o Governo Federal repassou este ano para Manari R$ 14.300.138,47, divididos nas áreas de encargos especiais, assistência social, saúde e educação. Só o FPM transferiu R$ 5.507.521,28 e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) R$ 3.057.072,15.

Saúde
Manari só tem um hospital municipal, a Casa de Saúde João Paulo II, que não é cadastrado na 4° Gerência Regional de Saúde e, por isso, não recebe verba do governo estadual e federal, segundo a Coordenação de Atenção Básica. O prefeito afirmou que já tentou sem sucesso marcar audiências com a Secretaria Estadual de Saúde (SES). Por meio de nota, a SES informou que o prefeito fez um único contato com o órgão este ano. "Em conversa telefônica, o prefeito solicitou o que o hospital fosse credenciado como Hospital de Pequeno Porte, política instituída pelo Ministério da Saúde [MS], por meio da Portaria MS/GM 1.044, de 1° de junho de 2004, que prevê repasses e auxílios no custeio de unidades municipais e filantrópicas com até 30 leitos de internação, em cidades com menos de 30 mil habitantes. No entanto, essa portaria foi suspensa pelo MS e deverá ser reeditada até o fim do ano, com novas regras", diz a nota. A pasta afirma que deu essa orientação ao gestor e reitera que nova conversa pode ser agendada pelo (81) 3184-0407.

A cidade tem três postos de saúde, onde trabalham equipes com clínico geral, enfermeiro, dentista, técnico de enfermagem e auxiliar bucal. Também há um centro de reabilitação com terapeuta ocupacional, psicólogo, nutricionista e ginecologista. Quem precisa fazer raio-X, mamografia, exames de vista, ultrassom e partos de risco tem que ser transferido para cidades vizinhas ou para a capital.
A população está insatisfeita com os poucos serviços de saúde oferecidos em Manari. Todos abordados pela reportagem relataram casos de falta de remédios e vacinas, entrega de remédios vencidos, profissionais mal educados, ambulâncias mal equipadas e reclamam que o hospital só atende emergências à noite. A maioria não quis se identificar ou tirar fotos, com medo de represália. A agricultora Claudenice Barbosa disse o próprio nome e apontou outro problema na Casa de Saúde João Paulo II. "Aqui, o médico falta muitas vezes. Segunda-feira [29 de julho] dei viagem perdida. Há cinco meses, precisei de remédio de diarréia e não tinha. Muita coisa tem que melhorar", disse.
A agricultora Eva Alves de Lima, 51, moradora de Alto Vermelho, Zona Rural, é exemplo vivo de todo esse drama por que passa Manari. Não sabe ler nem escrever, sempre trabalhou na roça. Nos últimos dois anos, não plantou nada e ainda perdeu o gado que tinha. Sobrevive com o Bolsa-Família e a aposentadoria do marido, o que dá R$ 700 por mês. Mora em uma casa sem água encanada nem esgoto sanitário. Com tão pouco, ainda foi assaltada. Os criminosos levaram até o forro da cama.

Os dois filhos de 11 e 13 anos estudam na Escola Municipal Celina Ana, que fica na região. "A merenda é fraca, não deram farda, algumas vezes as professoras faltam, mas faço questão que eles estudem para ter uma vida melhor", afirmou. Ela não tem posto de saúde perto de casa e reclama que os agentes de saúde não são bem preparados. Agora, está preocupada com uma suspeita de cisto na mama. "Depois de muito tempo, consegui marcar uma mamografia em Arcoverde, tomara que não seja nada."

De acordo com a coordenadora de Atenção Básica, Laís de Siqueira. "A nossa estrutura é suficiente, e o que não dá para fazer aqui, nós temos transporte para levar os pacientes para hospitais em outras cidades, como Arcoverde e Recife. O carro da mamografia, por exemplo, vem todo mês aqui para as mulheres poderem fazer o exame", informou.

Há dois anos, o povoado de Cercadinho recebeu um posto de saúde e a construção de mais dois está prevista para começar este ano em Minador e Serra da Estiva, ambas na Zona Rural. "Até outubro vai chegar uma ambulância do Samu e mais dois carros serão comprados até 2016. Quando não tem medicamento, o povo me procura e eu compro na farmácia, no meu nome, e dou, tiro dinheiro do meu bolso. A vacina é 100% regular, temos até uma sala na Casa de Saúde", respondeu o prefeito, sobre os problemas citados pela população.

Falta profissionalismo
Em 2005, diante da péssima repercussão do IDH-M de Manari, o governo estadual montou o Plano Integrado de Desenvolvimento Local para uma região do Sertão pernambucano com 11 municípios de baixo IDH-M, que incluiu ainda Ibimirim, Inajá, Iati, Águas Belas, Itaíba, Tupanatinga, Paranatama, Saloá, Terezinha e Caetés. O Projeto Renascer, autarquia vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Cidadania, ficou responsável pela gestão de parte dos recursos e programas de capacitação, feitos em parceria com Estado, ongs e empresas privadas. Procurada pelo G1, a secretaria não informou se o plano ainda está em vigor.

Construção de estrada - antes Manari não se comunicava com asfalto com outras cidades -, adutora de água, escola de ensino médio e centro de formação digital e perfuração de poços foram algumas ações fruto do Plano Integrado, segundo o sociólogo do Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, José Arlindo Soares. Para o estudioso, a gestão ainda é um grande entrave no desenvolvimento de Manari. "Não houve até agora a profissionalização mínima dos secretários e agentes, são pessoas leigas em administração pública. Sem esse conhecimento, não se consegue executar as políticas públicas, fazer projetos, captar convênios", explicou.

O prefeito Gilvan Araújo, eleito nas eleições de 2012, por exemplo, é pecuarista e não tem o ensino médio completo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Ao G1, ele disse que os secretários serão capacitados em suas especialidades, mas não soube especificar quais cursos serão feitos.

G1 PE

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