As constantes irregularidades e fraudes em concursos públicos viraram um tormento para os que almejam uma vaga na administração pública. Sem uma regulamentação que assegure os direitos na área, os estudantes recorrem ao Ministério Público Federal (MPF) para garantir a isonomia dos processos seletivos. Não à toa, o número de denúncias ao órgão em relação aos certames só aumenta. O MPF contabiliza 1.946 investigações em curso — 160 iniciadas nos últimos dois meses — e 499 casos já resultaram na abertura de inquéritos policiais, todos em andamento.
A maior parte das representações levadas pelos cidadãos ao órgão, segundo o portal da transparência do MPF, diz respeito a problemas no edital de forma geral, seguida por questionamentos relativos à reserva de vagas para deficientes, inscrição, documentação, anulação de questões e correção de provas. “Também são comuns denúncias relativas a direcionamento de cargos ou que se referem, por exemplo, à atribuição de um valor superior, na análise de experiência profissional, a um determinado título em detrimento de outro”, enumerou a procuradora da República Léa Batista, que coordena uma área especializada em concurso público no Ministério Público. “Além disso, há as falhas no momento da aplicação da prova, que também são recorrentes”, completou.
Conforme a procuradora, o total de investigações em aberto — tanto no âmbito criminal quanto no administrativo — é visto pelo MPF como significativo. “O número é alto e aumentou bastante nos últimos meses, mas não dá para apontar um motivo específico. O que se pode garantir é que o cidadão está cada dia mais informado, e, quando verifica qualquer irregularidade, recorre ao MPF”, afirmou.
Entre os casos mais rumorosos está o do Senado. Foram dezenas de denúncias. Há ainda a disputa para a Receita Federal, em que quatro parentes de um servidor do órgão tiveram acesso antecipado às questões. Os quatro foram desclassificados, mas, até hoje, nem a Receita nem a Esaf, que organizou os testes, disseram o que ocorreu com o responsável pelo fornecimento de informações privilegiadas, confirmando como é obscuro o setor de concursos, quando a obrigação é a transparência.
Amadorismo
Quando chegam ao Ministério Público como uma reclamação sobre um concurso, as denúncias dos prejudicados viram uma peça informativa. O procurador, então, oficia à banca organizadora, que deve prestar esclarecimentos sobre o assunto. Caso perceba que a representação é procedente, o MPF determina a abertura de um procedimento administrativo ou inquérito policial. Esse último, no entanto, é mais raros e só é instaurados quando há indício de alguma fraude ou crime.
O mais comum é que o órgão tente resolver o problema em âmbito administrativo. “A prática demonstra que é melhor dessa forma. Em muitos casos, o Ministério Público decide pela suspensão do concurso, mas a Justiça reverte a situação e determina que a prova seja realizada”, explicou a procuradora. Isso acontece, segundo ela, porque, na dúvida, em razão dos altos gastos envolvidos na realização dos certames, os juízes determinam a continuação das seleções. “Se, depois, o MPF conseguir provar a irregularidade, o concurso é anulado”, completou.
Na opinião da procuradora, os procedimentos administrativos costumam ser mais efetivos, porque a maior parte das falhas ocorre em razão do amadorismo das empresas e não por má-fé. “Infelizmente, no âmbito dos concursos públicos, existe muita banca amadora. E quando o Ministério Público faz a recomendação e explica onde a lei está sendo violada, eles entendem e fazem a retificação do edital”, pontuou.
O professor Ernani Pimentel, fundador da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), concorda que boa parte das dores de cabeça com falhas na organização dos certames vem da falta de experiência das bancas — e claro, da falta de uma regulamentação efetiva do setor. “As instituições não escolhem empresas com credibilidade e experiência para organizar os concursos. É um desrespeito com o estudante que está tentando entrar no serviço público”, argumentou.
Exército na mira
Os concursos para ingresso nas Forças Armadas estão na mira do Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF). Foi ajuizada ontem, na 21ª Vara Federal do DF, ação civil pública pedindo a suspensão do certame com 1.350 chances para a formação de sargentos do Exército. O motivo foi a ausência de vagas destinadas às mulheres para as áreas de combatente, logística-técnica e aviação, que englobam 1,2 mil postos.
Segundo o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, trata-se de um caso de discriminação de sexo e uma afronta à Constituição Federal e às principais normas internacionais de direitos humanos. Ele defende que não existe incompatibilidade entre as funções de sargento e o sexo feminino, e, se há dúvidas sobre isso, elas serão sanadas durante a realização dos testes previstos em edital (prova, teste de aptidão física e inspeção de saúde).
Além da suspensão do edital e da retificação abrangendo o sexo feminino, o MPF-DF pede a reabertura do prazo de inscrições, para que mulheres tenham direito de participar, e que o Ministério da Defesa seja proibido de fazer qualquer discriminação de gênero nas futuras seleções para ingresso em todas as instituições das Forças Armadas, sob pena de multa ainda a ser definida.
O concurso ainda prevê mais 100 vagas para a área de saúde, com possibilidade de acesso a ambos os sexos, e 50 chances para sargentos músicos, que, inicialmente, também eram destinadas apenas a homens, mas, por decisão judicial, foram abertas às mulheres. As remunerações não foram informadas.
Diário de Pernambuco
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