Na avaliação da ex-senadora Marina Silva (sem partido), que pretende disputar a eleição de 2014 pelo nova sigla Rede Sustentabilidade - em formação - a presidente Dilma Rousseff ainda não ouviu a voz das ruas e erra ao tentar enquadrar os protestos em uma agenda tradicional, a ser resolvida entre Planalto e Congresso. "A força que está aí, em estado de presença e latência, porque vai continuar, não é para ser tratada dessa maneira", disse.
A entrevista é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-06-2013.
Para Marina, o primeiro discurso de reação ao protestos, pela TV, foi orientado pelo marketing e não tinha condições de funcionar. A presidente também teria errado, segundo sua análise, no encontro com os governadores, quando falou e não ouviu.
A ex-ministra do Meio Ambiente, que teve 19,6 milhões na eleição presidencial de 2010 e ficou em terceiro lugar, é favorável a uma consulta popular sobre reforma política, desde que a sociedade ajude a formular as perguntas que serão apresentadas aos eleitores.
Ela falou ao Estado na quinta-feira à noite, após participar de um evento organizado pela revista Trip para homenagear pessoas e projetos que estão transformando a sociedade. A ex-senadora fez uma palestra de uma hora e ao final foi aplaudida de pé.
Eis a entrevista.
Como a sra. analisa as reações do governo aos protestos?
Isso que está acontecendo no Brasil é de uma riqueza política, social e cultural tão grande que vamos levar muito tempo ainda para ter uma medida. Subtraindo a meia dúzia que fica querendo fazer baderna, tivemos milhões de pessoas que foram pacificamente às ruas marcar uma posição. E a posição que ficou mais clara é que há uma apartação entre a dita classe política que está aí e esse movimento, que já existia em estado de latência e dava sinais de que estava aí. Eles colheram mais de 1 milhão de assinaturas contra o projeto do Código Florestal, mas disseram que não valia porque era só no virtual; colheram mais de 1 milhão de assinaturas contra Belo Monte e disseram que não valia porque era só no virtual; colheram mais de um milhão de assinaturas contra Renan Calheiros e disseram que não valia porque era só no virtual; e tem outros milhões que nem vou citar. Eu dizia que era só questão de tempo e que uma hora iria transbordar para o presencial. Acabou transbordando. E, ao transbordar, o centro não pode agora ter uma atitude de encapsular a borda.
O que achou das ações da presidente Dilma?
Era óbvio que a ideia de fazer um discurso orientado pelo marketing não iria funcionar. Depois houve a tentativa de anúncio ancorado pela orientação política partidária dela, no velho estilo de chamar os governadores para anunciar para eles, em vez de conversar, em vez de anunciar para a sociedade e de construir com ela. Fechar a discussão entre Palácio, governadores e Congresso é não levar em consideração o que está sendo dito a todos nós. É o velho estilo de transformar tudo numa mera pauta de reivindicações.
Houve um processo de desautorização por parte do PMDB de boa parte das propostas que foram apresentadas pelo governo.
A força que está aí, em estado de presença e latência, porque vai continuar, não é para ser tratada dessa maneira.
E qual é a maneira adequada?
Isso nos dá força e energia, se tivermos humildade, coragem e sabedoria, para produzir uma agenda com eles. O que está aí tem a força de uma agenda, na qual a reforma política está dentro, mas também a reforma tributária, o problema da educação, da saúde, da segurança pública. Uma agenda que não é para se fazer para eles, mas sim com eles. Os jovens estão dizendo que querem mais. Mas não é mais do mesmo. Querem mais e melhores serviços públicos, qualidade da representação.
Como estabelecer essa agenda?
Em primeiro lugar conversando com os diferentes segmentos. É preciso criar os meios para o estabelecimento dessa conversa, porque ela não envolve os setores já organizados.
Pelo que a sra. diz, a presidente Dilma mais falou do que ouviu.
Com certeza. Ela falou mais do que ouviu e está fechando tudo na relação Palácio e Congresso. Esquece o que está entre Congresso, que tem sido ferrenhamente questionado, e o Palácio.
E o que está meio?
É essa sociedade que se expressa. Uma agenda que seja capaz de fazer com o que o Brasil não fique à deriva do governo ou do partido de plantão. Quando você tem uma agenda estratégica, não importa se é PT, PSDB ou PMDB, ela acaba sendo encaminhada, porque o termo de referência está vindo da sociedade.
A sra. é a favor de uma consulta popular sobre a reforma política, como sugeriu a presidente?
Sim, o plebiscito, desde que a gente saiba quem é que vai fazer as perguntas. Elas não podem ser formuladas apenas pelo Palácio e pelo Congresso.
Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos
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