Quais são os sinais dos tempos? Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, em artigo publicado no Jornal do Brasil, 26-05-2013, descreve "alguns pela densidade de sentido que contém".
Eis o artigo.
Desenvolveu-se, já há bastante tempo, toda uma teologia dos “sinais dos tempos” como forma de percepção de um desígnio divino para a história humana. Esse procedimento é arriscado, pois para conhecer os sinais precisa-se primeiramente conhecer os tempos. E estes nos dias atuais são complexos, quando não contraditórios. O que é sinal do Espírito para alguns pode ser um antissinal para outros.
Mas há alguns eventos que se impõem à consideração de todos, pois possuem uma evidência em si mesmos. Vamos nos referir a alguns pela densidade de sentido que contêm.
O primeiro é sem dúvida o processo de planetização. Esta, mais que um fato econômico e político inegável, representa um fenômeno histórico-antropológico: a humanidade se descobre como espécie, habitando a mesma e única Casa, o planeta Terra, com um destino comum. Ele antecipa o que já Pierre Teilhard de Chardin dizia em 1933 a partir de seu exílio eclesiástico na China: estamos na antessala de uma nova fase da humanidade: a fase da noosfera, vale dizer, da convergência das mentes e dos corações constituindo uma única história junto com a história da Terra. O Espírito que é sempre de unidade, de reconciliação e de convergência na diversidade.
Outro sinal relevante é constituído pelos Fóruns Sociais Mundiais que a partir do ano 2000 começaram a se realizar a partir de Porto Alegre, RS. Pela primeira vez na história moderna, os pobres do mundo inteiro, fazendo contraponto às reuniões dos ricos na cidade suíça de Davos, conseguiram acumular tanta força e capacidade de articulação que acabaram, aos milhares, se encontrando para apresentar suas experiência de resistência e de libertação e alimentar um sonho coletivo de que um outro mundo é possível e necessário. Aí se notam os brotos do novo paradigma de humanidade, capaz de organizar de forma diferente a produção, o consumo, a preservação da natureza e a inclusão de todos num projeto coletivo que garanta um futuro de vida.
A Primavera Árabe surge também como um sinal do Espírito no mundo. Ela incendiou todo o Norte da África e se realizou sob o signo da busca de liberdade, de respeito dos direitos humanos e na integração das mulheres, tidas como iguais, nos processos sociais. Ditaduras foram derrubadas, democracias estão sendo ensaiadas, o fator religioso é mais e mais valorizado na montagem da sociedade mas deixando de lado aspectos fundamentalistas. Tais fatos históricos devem ser interpretados, para além de sua leitura secular e sociopolítica, como emergências do Espírito de liberdade e de criatividade.
Quem poderia negar que numa leitura bíblico-teológica, a crise de 2008 que afetou principalmente o centro do poder econômico-financeiro do mundo, lá onde estão os grandes conglomerados econômicos que vivem da especulação à custa da desestabilização de outros países e do desespero de suas populações, não seja também um sinal do Espírito Santo? Este é um sinal de advertência de que a perversidade tem limites e que sobre eles poderá vir um juízo severo de Deus: a sua completa derrocada.
Em contrapartida ao sinal negativo anterior, está o sinal positivo dos movimentos de vítimas que se organizaram na Europa como os “indignados” na Espanha e na Inglaterra e os “occupies Wall Street” nos EUA. Eles revelam uma energia de protesto e de busca de novas formas de democracia e de organizar a produção, cuja fonte derradeira, na leitura da fé, se encontra no Espírito.
Outro sinal do Espírito no mundo ganhou forma na crescente consciência ecológica de um número cada vez maior de pessoas no mundo inteiro. Os fatos não podem ser negados: tocamos nos limites da Terra, os ecossistemas mais e mais estão se exaurindo, a energia fóssil, o motor secreto de todo nosso processo industrialista, têm os dias contados e o aquecimento global que não para de aumentar e que, dentro de algumas décadas, pode ameaçar toda a biodiversidade.
Somos os principais responsáveis por este caos ecológico. Faz-se urgente um outro paradigma de civilização que vai na linha das visões já testadas na humanidade como o "bem-viver" e o “bem-conviver” (sumak kawsay) dos povos andinos, o “índice de felicidade bruta” do Butão, o ecossocialismo, a economia solidária e biocentrada, uma bem entendida economia verde ou projetos cuja centralidade é posta na vida, na humanidade e na Terra viva.
Por fim, um grande sinal do Espírito no mundo é o surgimento do movimento feminista e do ecofeminismo. As mulheres não apenas denunciaram a dominação secular do homem sobre a mulher (questão de gênero) mas especialmente toda a cultura patriarcal. A irrupção das mulheres em todos os campos da atividade humana, no mundo do trabalho, nos centros de saber, no campo da política e das artes, mas principalmente com uma vigorosa reflexão a partir da condição feminina sobre toda a realidade, deve ser vista como uma irrupção poderosa do Espírito na história.
A vida está ameaçada no planeta. A mulher é conatural à vida, pois a gera e cuida dela durante todo o tempo. O século XXI será, creio eu, o século das mulheres, daquelas que, junto com os homens, assumirão mais e mais responsabilidades coletivas. Será por elas que os valores que elas mais testemunham como o cuidado, a cooperação, a solidariedade, a compaixão e o amor incondicional estarão na base do novo ensaio civilizatório planetário.
Fonte: Jonral do Brasil em IHU - Instituto Humanitas Unisinos
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