A reportagem é de Martine Valo, publicada no jornal Le Monde e reproduzida pelo portal Uol, 15-05-2013.
Uma "boa notícia" que acaba de ser invalidada pela publicação, na segunda-feira (13), do relatório de 2013 da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma das agências da ONU. O número oficial foi reavaliado para 2,4 bilhões – ou seja, um terço da população mundial. Logo, o ODM está longe de ser atingido.
Em março, Catherine de Albuquerque, relatora especial da ONU sobre o direito à água potável e ao saneamento básico, já havia reconhecido que as Nações Unidas haviam pecado pelo otimismo em 2012.
"Metade da humanidade bebe água suspeita!"
A publicação do relatório da OMS veio na hora certa para os membros da delegação francesa presentes em Daegu-Gyeonbuk (Coreia do Sul), nos dias 14 e 15 de maio, para o início das reuniões preparatórias do Fórum Mundial da Água de março de 2015. Representantes da "Parceria francesa pela água" – que reúne atores tão diversos quanto aSuez, a Veolia, a Agência Francesa de Desenvolvimento, a prefeitura de Marselha, o Ministério da Agricultura, ONGsetc.-, carregam a mesma mensagem: a situação dos "sem-água" é amplamente subestimada. Um aspecto perigoso, pois traz o temor de que possa haver um relaxamento nos esforços e nos financiamentos internacionais.
"As pessoas costumam me perguntar se vai faltar água no futuro por causa da mudança climática, sendo que a urgência é o fato de que metade da humanidade hoje bebe água suspeita!", diz Gérard Payen, membro do Conselho Consultivo sobre a Água e o Saneamento (Unsgab), que aconselha o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
O recenseamento oficial tem problemas, ele explica resumidamente. Todos aqueles que possuem acesso a uma "fonte melhorada", ou seja, não dividida com animais e protegidas de seus dejetos, são considerados beneficiários de água potável. Mas podemos colocar no mesmo patamar um poço com uma tampa na saída de um vilarejo, uma fonte de bairro, uma perfuração profunda, uma torneira individual ou coletiva? A vida cotidiana de seus usuários evidentemente não é a mesma.
Os progressos no campo não são rápidos o suficiente
Segundo Gérard Payen, 3,6 bilhões de seres humanos usam água "que não é segura", e mais de 1,8 bilhão chegam a consumir diariamente água perigosa. Sem falar nos cortes diários de água, um pesadelo recorrente em inúmeros países. Em 2013, existem mais habitantes que não têm torneira em casa do que no século 20, detalha o especialista no livro que acaba de publicar ("De l'eau por tous" ou "Água para todos", Ed. Armand Colin, 2013).
Entre 2000 e 2010, mais 600 milhões de pessoas (em média, 275 mil por dia) passaram a receber água corrente em domicílio, mas ao mesmo tempo a população mundial aumentou em 770 milhões. E o balanço é muito desigual: a situação tem melhorado na China, na Índia, mas piora na África subsaariana, na Ucrânia…
Os progressos no campo não são rápidos o suficiente, o estresse hídrico sofrido pelos agricultores acelera o êxodo rural. Já nas cidades, a demografia galopante torna o problema insuperável, especialmente quanto à questão do saneamento.
Gérard Payen, membro ativo de organizações que reúnem as grandes empresas do setor – a federação Aquafed, principalmente, compartilha do mesmo diagnóstico que as associações que militam a favor do acesso ao recurso para todos. "Pela primeira vez, estamos lutando do mesmo lado e estou feliz com isso", diz Emmanuel Poilâne, diretor da fundação France Libertés. "Queremos pressionar o governo francês juntos para que ele consiga com que a água e o saneamento básico figurem como tais nos próximos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que devem suceder os ODM depois de 2015." Uma abordagem aprovada por outros países como a Suíça e a Hungria.
A ONU não faz da água um bem universal gratuito
Permitir que cada um beba água salubre era uma briga antiga, que terminou em julho de 2010 com a aprovação por 122 países do "direito ao abastecimento suficiente, fisicamente acessível e a um custo razoável de água salubre e de qualidade aceitável para os usos pessoais e domésticos de cada um".
A formulação escolhida pela ONU não faz da água um bem universal gratuito. Portanto, evita o debate sobre a delicada questão da mercantilização do recurso por parte do setor privado. Só que esse assunto não diz respeito unicamente aos países mais pobres. Um estudo de pesquisadores internacionais publicado na revista Sciences Eaux et Territoires do dia 27 de março mostra que a França, assim como o Reino Unido, por exemplo, também têm sofrido dificuldades para aplicar esse direito humano para seus "pobres em água", ou seja, em cada um desses dois países, há de 1 a 2 milhões de usuários que não conseguem pagar suas contas.
Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos
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