Foto: Netto Maravilha |
O homo sapiens abriga dentro de si uma
fera: o homo brutalis. Esse instinto
nato para a violência obrigou-o a andar sobre dois pés, para usar com mais
habilidade as mãos na caça de presas e desafetos.
Em milhares
de anos de evolução, o homem inventou ritos, códigos e leis para regular a
convivência social entre os de sua espécie, para tentar manter sob controle seu
monstro interior. Esse conjunto de normas é o verniz social que dá ao homo sapiens a aparência de ser humano.
Por
sucessivas idades, numa babel de línguas, poucas vozes pregaram a não
violência. Jesus Cristo foi um deles. Cristo não pregou no deserto. Pregou na
praça, no templo, na rua, na montanha. Muitos ouviram, poucos entenderam. A
maioria fez ouvidos moucos, enquanto inumeráveis aproveitadores transformaram cruz
em espada e cifrão, lavada em sangue e lama. Boa semente em solo ruim, péssimo
adubo, frutos imprestáveis. Quase toda a colheita está perdida.
Por outro
lado, a violência sempre foi incentivada, justificada, enaltecida e aplicada,
em nome de deuses, em nome de homens considerados ou considerando-se deuses, em
nome do particular interesse de um só homem, ou de uma sociedade inteira, sobre
bens e direitos alheios. Maiores posses cabem a quem possui maior poderio. Assim, a violência
é o método de negociação e persuasão mais antigo, eficaz e amplamente utilizado, usada desde o castigo de um filho até o desrespeito geral e irrestrito dos direitos de
uma nação.
Há violência e violência. Necessário é fazer a diferenciação. Ser
violento é normal, ser cruel é que não pode. A escala de
aceitação da violência pela sociedade é mais ou menos esta: assaltar é violência
leve; assaltar e espancar o cidadão, violência moderada; assaltar e matar a
vítima é violência extrema, portanto crueldade, por conseguinte inaceitável.
Ora, qualquer tipo de intimidação, seja física ou moral, é cruel.
Acerca da
violência, costumo fazer uma reflexão íntima sobre as notícias da semana. Faço
um apanhado mental das notícias que mais agrediram meu senso de humanidade ao
longo da semana. Exercito mente e espírito para manter a capacidade de indignar-me
diante de fatos chocantes do cotidiano, cada vez mais tratados como espetáculos
e aceitos como banalidades. Costumo fazer isso sábado ou domingo, entre afazeres domésticos.
Esta semana,
no entanto, ainda não terminou e já atingi o limite da estupefação e
indignação, obrigando-me a refletir antecipadamente, pois muitas notícias
invadiram a minha casa e bateram dos dois lados da minha face.
Mulher
ciumenta mata e esquarteja o marido. Pai tortura e estupra filhas gêmeas, de
dois anos de idade, e uma delas morre. Pai é suspeito de violentar filhos que teve
com a mulher e a enteada que ele estuprou. Duas mulheres são esquartejadas por
ordem de presidiário porque uma delas bateu no filho dele. Tudo isso aconteceu
no Brasil, “num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, e não
na Síria de milenares noites e sombras.
Mas o que
despertou minhas reflexões não foram apenas essas notícias sangrentas.
Foi principalmente o simbolismo presente nas fotos de uma matéria
publicada ontem, quinta-feira (07), no Blog de Assis Ramalho, numa matéria em que não havia sangue nem violência explícita. Tratava de um incidente.
Na Bahia, um
homem invadiu a Catedral do Senhor do Bonfim, na cidade do mesmo nome, e
quebrou a imagem que estava no altar. De madeira, de gesso ou de argila, toda
imagem sacra venerada tem seu valor religioso, artístico e histórico, logo, deve ser preservada e protegida. Nas fotos,
um Cristo esquartejado sobre um lastro de madeira.
Meu pensamento, cavalo selvagem em campo aberto, trota naturalmente. Penso e pondero. Humilhação e crucificação não seriam suficientes para redimir os pecadores neste momento da História,
neste ponto da evolução(?) humana, nesta posição geográfica.
Para
repercutir na mídia atualmente, Jesus precisaria ser morto a pauladas, facadas
e tiros. Em seguida, queimado e esquartejado, para delírio e frenesi da
multidão presente ao espetáculo. Isto seria suficiente para divulgar sua causa.
Mas pouco para comover corações endurecidos pelo reality show da violência, consumido em doses diárias crescentes e
entorpecentes, por “bocas escancaradas, cheias de dentes”.
Seria pouco, muito pouco, para
promover o “amar ao próximo como a si mesmo”. Seria apenas o suficiente para reeditar o antigo decreto:
- Pai,
perdoai. Eles não sabem o que fazem.
Frutos imprestáveis. O homo
brutalis não sabe o que faz. O homo sapiens
nada aprendeu.
Lúcia Xavier para o Blog de Assis Ramalho
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