Anildomá Souza, historiador e escritor
Museu do Cangaço em Serra Talhada (PE)
Museu do Cangaço, em Serra Talhada
Na entrevista, o historiador revela que, além dos óculos, também roubaram do museu histórico, algumas armas (bacamartes). Ele também mostra sua revolta com o escritor Pedro de Moraes, magistrado aposentado que escreveu o polêmico livro ''Lampião, o Mata Sete'', em que se diz que Lampião era homossexual. Acompanhe abaixo a entrevista concedida com exclusividade ao Blog de Assis Ramalho:
Assis Ramalho: Anildomá, obrigado por ter recebido a gente no Museu do Cangaço.
Anildomá Souza: Assis, eu que agradeço. É muito bom falar com Petrolândia. Quero mandar um abraço pra todos os amigos e amigas da cidade de Petrolândia e de toda a região. Conheço várias pessoas, no campo da arte e da cultura, de todas as vezes que andei aqui nessa região, pesquisando a vida de Lampião, a vida do rei do Cangaço.
Assis Ramalho: Anildomá, você que é historiador também, qual a emoção de estar diariamente passando a história para os turistas em Serra Talhada, no Museu do Cangaço?
Anildomá Souza: é muito bom. Eu me sinto muito feliz porque eu trabalho exatamente no que eu gosto. Seria muito bom se as pessoas, de todas as profissões, estivessem fazendo o que gostam e que faz por amor, por paixão. Esse meu trabalho no Museu do Cangaço, na terra de Lampião, (que é) trabalhar contando histórias de Lampião e escutando as histórias, as aventuras do rei do Cangaço pelo Nordeste a fora. Eu acho que somente uma pessoa abençoada por Deus teria tanto privilégio e tanta alegria. Olha, eu me sinto honrado com isso, porque eu trabalho repassando para as pessoas os fatos acontecidos. Não somente os que verdadeiramente aconteceram, mas também o que o imaginário popular faz com que as pessoas pensem, imaginem, viajem sobre o folclore, sobre o que foi criado sobre Lampião.
Assis Ramalho: Anildomá, você tocou num ponto muito importante. Existe muito folclore, existem muitas historinhas. Tem histórias que são fantasias e tem histórias que são verdadeiras?
Anildomá Souza: A vida de Lampião é marcada por coisas do imaginário popular. Veja bem, baseado na mente fértil do homem sertanejo, que pega um fato que aconteceu e transforma numa coisa espetaculosa. Vou citar o exemplo da seguinte forma: as pessoas sabem que Lampião era um grande estrategista. Além da liderança que ele tinha, ele era um estrategista nato. A sua capacidade de dar enfrentamento à polícia, às volantes, faziam com que as pessoas dissessem que ele tinha o corpo fechado, que ele tinha orações de envultamento (para ficar invisível), as armas, as balas não lhe atingiam, as facas, os punhais não penetravam seu corpo.
Assis Ramalho: Dessas histórias, tem muitas?
Anildomá Souza: Exatamente. Isso tudo faz parte do imaginário popular. Então, você pega a história real, o que de fato aconteceu, e verifica o que se está inventando em cima desse fato. A história do Cangaço, a história do homem sertanejo todinha é assim.
Assis Ramalho: Lampião pra muitos foi heroi, pra outros foi bandido. Como o historiador Anildomá vê o Lampião?
Anildomá Souza: Eu costumo dizer nem heroi nem bandido, ele é história. Esse, inclusive, é o título de um dos meus livros, chamado “Lampião: nem heroi nem bandido. A história”. Nesse livro, eu pego todos os fatos, da infância até a morte de Lampião, de todas as passagens da vida dele, o que transformou ele num mito, e eu conto a história tal qual aconteceu que é para o próprio leitor tirar a sua conclusão, se Lampião é heroi ou bandido. Eu me preocupo com o fato histórico. Com o rótulo de heroi ou de bandido, isso compete a cada um. Agora, eu particularmente, pelo enfrentamento que Lampião deu aos coronéis, aos fazendeiros, à classe dominante de sua época, ele como sertanejo que quis fazer esse enfrentamento, fazer essa resistência, considero o heroi do sertão.
Assis Ramalho: A gente não pode deixar de tocar num assunto desagradável. Foi notícia esta semana o roubo dos óculos de Lampião em todo o Brasil, inclusive no Jornal Nacional da TV Globo, como isso aconteceu?
Anildomá Souza: Dois dias antes foi roubado do Museu do Cangaço algumas armas.
Assis Ramalho: Houve outro roubo, antes dos óculos?
Anildomá Souza: Isso. Armas do tempo do Cangaço. Em seguida, foi roubado os óculos de Lampião, da Casa da Cultura, e no mesmo dia também foi roubada a bengala do padre Cícero do Juazeiro, em uma cidade do interior de Alagoas. Então, eu acho que está havendo um ataque frontal ao patrimônio cultural, material e imaterial, da história do homem sertanejo. Não sei se isso é uma coisa orquestrada, não tenho a mínima ideia, mas que está havendo esse ataque. Nós estamos aqui prontos para resistirmos a eventuais ações de criminosos ou de bandidos que queiram novamente fazer alguma empreitada contra o Museu do Cangaço.
Assis Ramalho: Agora é torcer para que a polícia desvende esse mistério, não é mesmo?
Anildomá Souza: Exatamente. Afinal de contas, isso é um patrimônio que pertence à história do povo brasileiro, notadamente do povo nordestino.
Assis Ramalho: Vocês não trabalham aqui com segurança?
Anildomá Souza: Nós temos. Mas tinha que ter um deslize, tinha que ter um azar, tinha que ter uma ação de alguém mais astuta pra (acontecer) isso daí. É fatual que tanto a Casa da Cultura quanto o Museu do Cangaço, não temos câmeras de segurança.
Assis Ramalho: Vocês trabalham no limite?
Anildomá Souza: É. No limite das condições. Quem faz cultura neste país, sabe como é que se prima pelas coisas. Nós poderíamos ter uma condição bem maior, mas isso não é a realidade nesse trabalho. Mas nós estamos prontos, mudando inclusive o perfil de funcionamento desses espaços.
Assis Ramalho: Agora tocando num outro assunto, um pouco polêmico. Anildomá, recentemente um juiz de Sergipe escreveu um livro polêmico sobre Lampião, questionando se Lampião era homossexual. Como você vê a atitude desse juiz aposentado de Sergipe, ele escreveu esse livro foi pra aparecer? Qual a opinião do historiador?
Anildomá Souza: O livro chama-se “Lampião, o Mata Sete”. O autor é um juiz aposentado, chamado Pedro de Morais. Ele não tem nenhum fundamento histórico para emitir uma opinião dessa. Eu sou pesquisador, pesquiso a vida de Lampião da infância até a morte. E (sei que) primeiro: não teve nenhum tiroteio no ano de 1922, em que Lampião tenha sido ferido na região da genitália, com ele disse que Lampião levou um tiro no saco escrotal. Esse tiroteio não aconteceu. Segundo: Expedita, que ele diz que não é filha de Lampião. O DNA de Expedita é exatamente o DNA do irmão de Lampião, de João Ferreira, que na época, algum tempo atrás, ela precisou fazer um (teste de) DNA pra questões documentais etc. Coisa de herança. Ela, de fato, é filha de alguém da família Ferreira, da família de Virgulino Ferreira. Como não podem fazer (o teste de DNA) de Virgulino, porque não existe nenhum resquício dos restos mortais, foi feito do irmão de Virgulino. Então, ela não é filha do Luiz Pedro, como o juiz disse. E, por fim, eu queria simplesmente dizer o seguinte, duas coisas: esse juiz é um estelionatário da história. E segundo: você imagine esse juiz, que não escutou nenhuma fonte para emitir uma opinião, imagina as injustiças que ele cometeu quando, juiz na ativa, ele emitia pareceres, veredictos sobre as pessoas, sem ter escutado as pessoas envolvidas. Porque ele não escutou nenhum cangaceiro, nenhuma cangaceira, nenhuma fonte primária, nenhuma fonte documental. A única fonte que ele utilizou foi o movimento gay da Bahia. Nós não podemos emitir nenhuma opinião histórica em cima de um personagem que é a construção, que é o alicerce da identidade cultural do homem sertanejo. Então, ele (Pedro de Morais) simplesmente quis “se amostrar”, vender livro, uma briga de editoração, de livraria, e não (tratar de) uma questão séria que ajude a construir a cultura, a história do povo brasileiro.
Assis Ramalho: Essa também é a minha opinião. Gostaria de agradecer a sua participação no Blog de Assis Ramalho, pela maneira como me recebeu aqui (no Museu do Cangaço) e deixar Petrolândia de portas abertas, para que quando você cheguelá, a gente também possa bater um outro papo.
Anildomá Souza: Assis, eu que agradeço. É muito bom falar com Petrolândia. Quero mandar um abraço pra todos os amigos e amigas da cidade de Petrolândia e de toda a região. Conheço várias pessoas, no campo da arte e da cultura, de todas as vezes que andei aqui nessa região, pesquisando a vida de Lampião, a vida do rei do Cangaço.
Assis Ramalho: Anildomá, você que é historiador também, qual a emoção de estar diariamente passando a história para os turistas em Serra Talhada, no Museu do Cangaço?
Anildomá Souza: é muito bom. Eu me sinto muito feliz porque eu trabalho exatamente no que eu gosto. Seria muito bom se as pessoas, de todas as profissões, estivessem fazendo o que gostam e que faz por amor, por paixão. Esse meu trabalho no Museu do Cangaço, na terra de Lampião, (que é) trabalhar contando histórias de Lampião e escutando as histórias, as aventuras do rei do Cangaço pelo Nordeste a fora. Eu acho que somente uma pessoa abençoada por Deus teria tanto privilégio e tanta alegria. Olha, eu me sinto honrado com isso, porque eu trabalho repassando para as pessoas os fatos acontecidos. Não somente os que verdadeiramente aconteceram, mas também o que o imaginário popular faz com que as pessoas pensem, imaginem, viajem sobre o folclore, sobre o que foi criado sobre Lampião.
Assis Ramalho: Anildomá, você tocou num ponto muito importante. Existe muito folclore, existem muitas historinhas. Tem histórias que são fantasias e tem histórias que são verdadeiras?
Anildomá Souza: A vida de Lampião é marcada por coisas do imaginário popular. Veja bem, baseado na mente fértil do homem sertanejo, que pega um fato que aconteceu e transforma numa coisa espetaculosa. Vou citar o exemplo da seguinte forma: as pessoas sabem que Lampião era um grande estrategista. Além da liderança que ele tinha, ele era um estrategista nato. A sua capacidade de dar enfrentamento à polícia, às volantes, faziam com que as pessoas dissessem que ele tinha o corpo fechado, que ele tinha orações de envultamento (para ficar invisível), as armas, as balas não lhe atingiam, as facas, os punhais não penetravam seu corpo.
Assis Ramalho: Dessas histórias, tem muitas?
Anildomá Souza: Exatamente. Isso tudo faz parte do imaginário popular. Então, você pega a história real, o que de fato aconteceu, e verifica o que se está inventando em cima desse fato. A história do Cangaço, a história do homem sertanejo todinha é assim.
Assis Ramalho: Lampião pra muitos foi heroi, pra outros foi bandido. Como o historiador Anildomá vê o Lampião?
Anildomá Souza: Eu costumo dizer nem heroi nem bandido, ele é história. Esse, inclusive, é o título de um dos meus livros, chamado “Lampião: nem heroi nem bandido. A história”. Nesse livro, eu pego todos os fatos, da infância até a morte de Lampião, de todas as passagens da vida dele, o que transformou ele num mito, e eu conto a história tal qual aconteceu que é para o próprio leitor tirar a sua conclusão, se Lampião é heroi ou bandido. Eu me preocupo com o fato histórico. Com o rótulo de heroi ou de bandido, isso compete a cada um. Agora, eu particularmente, pelo enfrentamento que Lampião deu aos coronéis, aos fazendeiros, à classe dominante de sua época, ele como sertanejo que quis fazer esse enfrentamento, fazer essa resistência, considero o heroi do sertão.
Assis Ramalho: A gente não pode deixar de tocar num assunto desagradável. Foi notícia esta semana o roubo dos óculos de Lampião em todo o Brasil, inclusive no Jornal Nacional da TV Globo, como isso aconteceu?
Anildomá Souza: Dois dias antes foi roubado do Museu do Cangaço algumas armas.
Assis Ramalho: Houve outro roubo, antes dos óculos?
Anildomá Souza: Isso. Armas do tempo do Cangaço. Em seguida, foi roubado os óculos de Lampião, da Casa da Cultura, e no mesmo dia também foi roubada a bengala do padre Cícero do Juazeiro, em uma cidade do interior de Alagoas. Então, eu acho que está havendo um ataque frontal ao patrimônio cultural, material e imaterial, da história do homem sertanejo. Não sei se isso é uma coisa orquestrada, não tenho a mínima ideia, mas que está havendo esse ataque. Nós estamos aqui prontos para resistirmos a eventuais ações de criminosos ou de bandidos que queiram novamente fazer alguma empreitada contra o Museu do Cangaço.
Assis Ramalho: Agora é torcer para que a polícia desvende esse mistério, não é mesmo?
Anildomá Souza: Exatamente. Afinal de contas, isso é um patrimônio que pertence à história do povo brasileiro, notadamente do povo nordestino.
Assis Ramalho: Vocês não trabalham aqui com segurança?
Anildomá Souza: Nós temos. Mas tinha que ter um deslize, tinha que ter um azar, tinha que ter uma ação de alguém mais astuta pra (acontecer) isso daí. É fatual que tanto a Casa da Cultura quanto o Museu do Cangaço, não temos câmeras de segurança.
Assis Ramalho: Vocês trabalham no limite?
Anildomá Souza: É. No limite das condições. Quem faz cultura neste país, sabe como é que se prima pelas coisas. Nós poderíamos ter uma condição bem maior, mas isso não é a realidade nesse trabalho. Mas nós estamos prontos, mudando inclusive o perfil de funcionamento desses espaços.
Assis Ramalho: Agora tocando num outro assunto, um pouco polêmico. Anildomá, recentemente um juiz de Sergipe escreveu um livro polêmico sobre Lampião, questionando se Lampião era homossexual. Como você vê a atitude desse juiz aposentado de Sergipe, ele escreveu esse livro foi pra aparecer? Qual a opinião do historiador?
Anildomá Souza: O livro chama-se “Lampião, o Mata Sete”. O autor é um juiz aposentado, chamado Pedro de Morais. Ele não tem nenhum fundamento histórico para emitir uma opinião dessa. Eu sou pesquisador, pesquiso a vida de Lampião da infância até a morte. E (sei que) primeiro: não teve nenhum tiroteio no ano de 1922, em que Lampião tenha sido ferido na região da genitália, com ele disse que Lampião levou um tiro no saco escrotal. Esse tiroteio não aconteceu. Segundo: Expedita, que ele diz que não é filha de Lampião. O DNA de Expedita é exatamente o DNA do irmão de Lampião, de João Ferreira, que na época, algum tempo atrás, ela precisou fazer um (teste de) DNA pra questões documentais etc. Coisa de herança. Ela, de fato, é filha de alguém da família Ferreira, da família de Virgulino Ferreira. Como não podem fazer (o teste de DNA) de Virgulino, porque não existe nenhum resquício dos restos mortais, foi feito do irmão de Virgulino. Então, ela não é filha do Luiz Pedro, como o juiz disse. E, por fim, eu queria simplesmente dizer o seguinte, duas coisas: esse juiz é um estelionatário da história. E segundo: você imagine esse juiz, que não escutou nenhuma fonte para emitir uma opinião, imagina as injustiças que ele cometeu quando, juiz na ativa, ele emitia pareceres, veredictos sobre as pessoas, sem ter escutado as pessoas envolvidas. Porque ele não escutou nenhum cangaceiro, nenhuma cangaceira, nenhuma fonte primária, nenhuma fonte documental. A única fonte que ele utilizou foi o movimento gay da Bahia. Nós não podemos emitir nenhuma opinião histórica em cima de um personagem que é a construção, que é o alicerce da identidade cultural do homem sertanejo. Então, ele (Pedro de Morais) simplesmente quis “se amostrar”, vender livro, uma briga de editoração, de livraria, e não (tratar de) uma questão séria que ajude a construir a cultura, a história do povo brasileiro.
Assis Ramalho: Essa também é a minha opinião. Gostaria de agradecer a sua participação no Blog de Assis Ramalho, pela maneira como me recebeu aqui (no Museu do Cangaço) e deixar Petrolândia de portas abertas, para que quando você cheguelá, a gente também possa bater um outro papo.
Anildomá Souza: Com certeza. Quero mandar um abraço para o pessoal de Petrolândia e da região, e dizer que logo, logo eu estarei aí mais uma vez, curtindo as maravilhas do nosso (rio) São Francisco.
Redação do Blog de Assis Ramalho